PEC da Segurança Pública ou PEC da Chefia da Polícia Federal?
- Subtenente Gonzaga
- 3 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de mar.
Antecipo aqui todo meu reconhecimento à Polícia Federal, instituição de Estado, essencial à Segurança Pública, à governabilidade e à democracia. Mantenho excelente relação com muitos de seus integrantes, especialmente aos bravos companheiros da Federação Nacional dos Policiais Federais (FENAPF).
No entanto, compreendo estar claro que esta proposta apresentada pelo Ministro da Justiça foi elaborada pela chefia da Polícia Federal e para os delegados da Polícia Federal, ainda que muitos delegados com ela não concordem.
É um fato da realidade brasileira, que todos os ministros da Justiça se cercam de delegados da Polícia Federal, criando uma redoma ao seu redor, impedindo o acesso dos integrantes das demais instituições de Segurança Pública. Isso faz com que o Ministério da Justiça pense a Segurança Pública quase que exclusivamente a partir da orientação desses delegados.
Devo dizer que, na minha avaliação, é muito positivo que o Governo Federal finalmente reconheça que a agenda da Segurança Pública deve ser prioridade para o governo, pois há muito já é prioridade para a população.
No entanto, para além dos discursos, cuja pertinência e oportunidade devem ser reconhecidas, o texto apresentado não parece ter potencial de ser efetivo. Há, isso sim, uma concentração de poder na União e, por consequência, na Polícia Federal. Na minha visão, essa não é a melhor e nem a mais adequada solução.
A Polícia Federal é mais responsável que as Polícias Civis? Tecnicamente mais preparada? Por que seria mais eficaz a investigação conduzida pela Polícia Federal? Se o arcabouço legal é o mesmo, se as técnicas de investigação, perícia e produção de provas são as mesmas, em que medida transferir a competência para investigar milícias e organizações criminosas à Polícia Federal tornaria o trabalho de investigação mais efetivo?
Aqui, com todo respeito aos delegados das Polícias Civis e ao Colégio de Chefes de Polícia Civil, vai uma pergunta: uma vez que um dos argumentos para a alteração da Constituição é que a Polícia Civil não tem dado respostas a fatos concretos, como o caso Marielle e a proliferação das milícias, como os senhores irão reagir?
Se o problema é o excesso de demanda das Polícias Civis, então a PEC estará transferindo esse excesso para a Polícia Federal. Ou será que a PEC está sugerindo a existência de arranjos e acordos locais com a milícia e o crime organizado? Se isso ocorre, é algo muito grave, mas a solução proposta está equivocada.
E o esvaziamento do Ministério Público Estadual? Organização criminosa não se amolda a uma conduta específica. As pessoas se organizam para cometer os mais diversos crimes, e o Ministério Público Estadual, especialmente através dos GAECOs, tem dado excelentes respostas. Quando iniciada uma investigação de qualquer crime, se for verificada a existência de uma organização criminosa, terá que transferir a investigação para a Polícia Federal? Isso não é eficaz.
Considero que mantenho um bom diálogo com os Policiais Rodoviários Federais através de suas entidades representativas, e por isso fico à vontade para alertar: ampliar o território de competência da PRF sem dar-lhes autonomia para investigação é apenas sobrecarregar um efetivo que já é muito pequeno para as responsabilidades que possui. Da forma que está na PEC, a Chefia da PF está buscando mão de obra qualificada para suas operações, mas mantendo as restrições de produção e tratamento de informações.
Todos sabem que sou defensor da Polícia de Ciclo Completo. Era isso que eu esperava do Ministro da Justiça. O SUSP já existe, sob a coordenação da União. E já oferece instrumentos jurídicos de coordenação nacional das políticas de Segurança Pública e Defesa Social, bem como de controle de informações e banco de dados por meio do SINESP. Portanto, a efetividade SUSP depende muito mais de ações políticas do que de novas normas legais.
Eu quero ver o governo implementar o Ciclo Completo para resolver efetivamente o estrangulamento na elucidação dos crimes. E quero ver também o Judiciário fazer sua autocrítica e reconhecer que grande parte do volume de processos prescritos ou a prescrever resulta da estratégia de dividir o orçamento a um grupo menor de pessoas, e por isso não abrem concursos.
Da parte da prevenção, os números atestam a eficiência das Polícias Militares e Rodoviária Federal em suas responsabilidades Constitucionais. São tantas as operações e prisões em flagrante que é impossível ficar dando nome a cada uma delas. Basta olhar para o número de presos provisórios nos presídios. É ínfimo o percentual destes que são resultado de prisão após as medidas cautelares. Para mais de 90% dos presos provisórios, as medidas cautelares foram decretadas após a prisão em flagrante pelas Polícias Militares e Rodoviária Federal.
Voltando à proposta da PEC: constitucionalizar o Fundo Nacional de Segurança Pública, sem constitucionalizar suas receitas, é inócuo.
Se quiser, o Poder Executivo pode destinar, já para o orçamento de 2025, recursos aos fundos atuais e não os contingenciar. Seria muito mais eficiente. Poderia também fazer um PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para construção de presídios e unidades socioeducativas, e até mesmo fazer repasse de recursos para que as Unidades Federativas invistam em efetivo.
Em um ponto acredito haver convergência: o crime organizado está se infiltrando nas instituições do Estado, inclusive conseguindo mandatos eletivos. Solução para isso? Alterar a Constituição para permitir a exclusão cautelar do candidato ou servidor e perda do mandato político, sempre que for detectado esse fato. Mas isto não está na proposta do Ministro da Justiça.
Por fim, espero que todos saibamos aproveitar essa janela que se abriu e construir soluções legislativas que sejam realmente eficazes. No entanto, a proposta do Ministério da Justiça me parece atender essencialmente à volúpia de superioridade e de poder da chefia da Polícia Federal.
Sem luta não há conquista!
Subtenente Gonzaga